sexta-feira, 27 de junho de 2008

a criação de senhorita feliciana




pra aninha



E porque ela inventava de querer falar sobre ela mesma? Ela sabia que arte não era isso, diário, ah... assim é muito fácil, corre, voa, vai inventar uma história, menina! Mas nada disso, até suas unhas descascando vermelho pitanga lhe pareciam ser merecedoras de mais um punhado de palavras.

Todo bom escritor é antes, invariavelmente, um excelente leitor, eu sabia que era isso que ela pensava. Mas, mesmo assim, nas longas viagens de ônibus indo e vindo por aí ela não conseguia se concentrar em nada que não fossem seus próprios devaneios sobre aqueles milhares de estímulos pulsantes à sua volta.

Aliás, andar de ônibus sempre fora para ela a maior das aventuras, antes já tivesse sido inventado um "escritor de pensamentos", ela pensava, ah... seria escritora de best-sellers desde criancinha! Era fixada na mania de achar que as coisas que imaginava, que a maneira como reparava o olhar entediado do senhor no banco ao lado ao escutar seu celular tocar eram únicos e preciosos. E precisava escrever sobre aquilo!

Até o cheiro lhe parecia ser um grande tema de uma grande obra. Achava fascinante reparar que o cheiro característico do rapaz sentado ao seu lado lhe poderia fazer apaixonar-se, ou então, ficava encantada ao contar como deixara de amar pessoas qaundo seus cheiros se tornaram enjoativos.

Na noite passada ela despertou no semi-sonho, dormia e acordava, indo daquele estagio dormente para a lucidez translúcida do rolar na cama. E nessa hora, eu vi de longe, ao invés de se chatear com o sono interrompido, como seria esperado, ela sorriu. Na noite passada ela descobriu que o silêncio do quarto escuro na madrugada, enquanto estava ainda com resquícios de lucidez e os olhos entre-abertos, era mais, muito mais, silencioso do que o silêncio do espaço delirante em que mergulhava quando começava a dormir. No mundo dos sonhos o silêncio é cheio, denso, repleto de sons!

Ela sorriu mais ainda e pensou nessa hora, segundos antes de dormir, isso vai dar uma boa história!

Tentei de novo, dessa vez dentro do seu sonho, dizer para ela, vai inventar uma história, menina! Era tarde demais, ela já estava sonhando...

4 comentários:

Anônimo disse...
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Anônimo disse...

era pra ser assim:

depois que abriu aquela frestinha,
em tanto ar se dissolveu o barulho do sonho escuro,
e o sol surgiu rompendo o horizonte
da janela.

Barbara Kahane disse...

!!!

Anônimo disse...

senti muita afinidade com essas "emoçoes transparentes" que vc decalcou aí..

Parabéns!