domingo, 8 de março de 2009

Chá da meia noite




As palavras lhe haviam desaparecido fazia algum tempo. Coisa assim de umas semanas, o tempo exato em que obrigara-se a encher só de imagens e conseguir sentir, em todo os poros, o tema daquele seu próximo filme.

Lá pelo chá da meia noite, aquele que acaba tendo que ser café tamanho é o volume de trabalho, pensou na torradinha. E fez com manteiga.

Tudo quente e o verão lá fora mais ainda. Decidiu ligar o ar e achou mesmo que a idéia ia ventilar.

Nada nada. As palavras a dominavam tanto tanto nos últimos tempos, que tendo que conseguir pensar imagens, fugiu como um corredor em dia de maratona delas e agora, as palavras haviam mesmo desaparecido. Cada letra, cada som, nada mais parecia lhe fazer sentido.

Estava cansada das imagens. E passava seus meses assim, cansava aqui corria pra lá, cansava lá corria de volta e nada nunca parecia se completar. E só assim conseguia adormecer, mesmo que já de dia, e só assim seguia, mesmo que sonâmbula, no próxima dia.

Sabia sempre que no dia seguinte faria algo novo: teria ódio das imagens bobas que criava para se distrair, ou pior ainda, para distrair, nem que por um segundo inútil, cabeças alheias, cabeças flutuantes e desejadas como aquelas que ela bem conhecia...

E então, no outro dia, além de acordar lembrando que um dia morreria e ter vontade de chorar lembrando mais ainda do que perdera, tb arranjava algum minuto, entre o banho e o computador, para pensar que hoje poderia escrever alguma coisa e aí, o sofrimento era só amanhã.

E foi isso que mudou tudo. Ultimamente resolveu esquecer palavras e tentar ver, rever e imaginar imagens... precisava fazer o seu filme. E fez. Mas continuou acordando lembrando da morte, dormindo chorando por ele e agora não podia mais sentar diante da tela branca (ou azul) e escrever.

Navegou sozinha, nesse dia, por muitas ruas, coitadinha. E Feliciana resolveu parar de dormir. Expressionou-se. E sentadinha ao lado do seu chá da meia noite, um café bem amargo lhe desce garganta abaixo e ela ainda chora.

3 comentários:

lili disse...

ñ chora feliciana...confeteia!

Eduardo Politzer disse...

o lanche da meia-noite sempre acorda o monstro do estomago sem fundo

Sabrina Nóbrega disse...

fazer o quê se srta feliciana, vê palavras em tudo?