domingo, 21 de dezembro de 2008

PENETRÁVEIS



Escreva, escreva, mas fodam-se os registros cegos da mão automática, só nos importam as caligrafias banhadas desse véu que é nuvem e notas desacordadas.

Afastou-se alguns pés dali, passou pelas portas do filó enubriado para encontrar a posição perfeita de onde apreciaria aquela cena:

Sentou-se tão leve, o cabelo solto e bem que se pudesse enxergar, os dedos flutuariam porque a musica que surgia acarinhava meu (nossos) corpo(s). Junto, o frio ar condicionado, as pedras quartejadas endurecendo os pés (raízes) e a visão turva desse véu quadriculando vermelho e branco onde já não poderia me deter.

Silêncio. A musica foi parar em outra sala.



.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008



a senhorita foi dançar lá na colombo...
caiu voando na bahia,

... e sorriu




ei, a senhorita sorriu... !


***

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

E sigo porque por entre as flores estremeço.



E sigo porque por entre as flores estremeço.

Os pingos de neve caem vermelhos, mas a pele ainda brilha dourada do sol dessa manhã quando sorrimos boiando no mar e pensamos que a vida podia parar. Não. Podia tomar o vetor “v” de mar e lembrar que navegar nunca foi preciso, mas plainar era a saída.

Nunca entendi nada alem de romance. O romance é olhar tudo em volta com o olho de baixo. Sexo. Tudo pulsa e a boca responde apontando o branco do dente. Como é que alguém ainda pensa que se quer alguma coisa diferente do êxtase da boa foda? Ou então, cadê o homem que me poe na mesa, me abre a perna e me mostra todo o romance do mundo?

E ainda madrugo pelo pau que não vem duro? Perdeu o pau duro? Vem, minha perna não se fecha.

E como é bela essa luz que se espalha quentinha e verde, sim, verde, porque amarelo mesmo, só fora do cinema, ou então, traz o gaffer que eu te explico. Ah, aproveita e pede pra ele saltar um mortal e cair aqui, bem pertinho de mim.

Penélope e Scarlet nunca foram tão incríveis. Sim, minto, esta sim, lá no último ponto...

Mas aí, me lembro da Marina, vou para São Paulo, levo minha câmera, filmo Marina... pronto: Tenho meu primeiro longa e já posso ter filho.

Mas cadê o pau duro? Foi cantar em outras bandas?

Essscolhe, essscolhe, pode esssscolher!

Dorme.

sábado, 15 de novembro de 2008

Eu não pude prever isso chegando.
Os dias passavam, muito trabalho, o ano voou como o trem bala que eu peguei no dia primeiro de janeiro na Espanha e agora estávamos todos aqui: dia 2 de novembro de mais um ano qualquer.

Eu não vi isso vindo.
Dia de finados e as flores enfeitando seu tumulo, tão escancarado, que ainda brilhavam vivas e traziam o sol.
Praia – um inédito dia de finados ensolarado nos fez a todos correr na areia, jogar o mar pra cima e terminar bêbados no bar empanturrados de sal e picanha, esperando o carnaval e discutindo o ano novo.

Eu não vi isso vindo.
Nesse sol de finados as lágrimas se misturaram ao sal de Ipanema lembrando de um remoto finados, que já havia exato 1 ano; parecia eternidade e, assim de repente, era como se fosse amanhã e tivéssemos despertados juntos nesse dia de sol.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

.nada



Estamos em uma mesma larga avenida, Jacques Tati grita ação em Playtime enquanto eu entro em um carro velho dos anos 80 e peço ao motorista que corra para cima. Você sempre sério ou espantado entra em algum carro próximo. Só te vejo depois, quando já não te alcanço, quando está dentro do carro, de perfil, tomando uma outra estrada. Para onde será que ele vai? Me pergunto enquanto esqueço de olhar para frente e indicar ao motorista qual será meu caminho. Estou atrasada e pegamos a pista errada. Esqueço de olhar para o lado e não te avisto mais, agora você continua na estrada e eu imagino, imagino tudo, você, o carro, seu perfil e a capa cinza, mas não vejo nada. O trânsito nos para a todos, engarrafada palpito nervosa e, mais uma vez, esqueço onde estou e para onde vou. Viramos a curva no mesmo engano contramão. Te vejo e corro para olhar para frente, a buzina apertando o peito me lembra de abrir o olho e guiar o motorista. Sou eu dirigindo na orla de uma linda cidade de sol e os cabelos ao vento colorem a vista solitária. Respira.

domingo, 31 de agosto de 2008



Quando feliciana chegou em casa naquela noite nada mais parecia o mesmo. E nada mesmo era o que antes havia sido. Nem noite era. Madrugada sem hora de precisão, cor furta no céu e desfocado na cama, apesar de ser novinha em espuma, pelo menos era confortável. Colchão virgem, pronto a amaciar-se ao primeiro que lhe tocasse, nem o leito já era o mesmo. Tudo estava outro.

O copo agora listrado comportava apenas água transparente. As habituais fumaças cinzas passaram a fazer no ar funis e olhos de tornados que tinham um nome próprio de ser mas agora ela havia esquecido.

Feliciana olhava tudo em semitom, semicilio, semiretícula toda aberta. Mas o todo agora era outro e se fechava por inteiro.

Feliciana andou pra um lado e outro e deu na varanda, tocando as árvores do outro lado da rua de concreto reparou no que havia em cima e quando foi se dar conta, Feliciana estava mesmo de fato avistando outro lado, o lado de dentro. Da pontinha da cabeça até a raiz do pescoço tudo aquilo ela via. Era mesmo um globo o tal ocular, e girou e girou parando como a sorte de bingo no lado avesso da roleta.

Nunca tinha se deparado com aquilo antes, pensou calmamente e intrigada a senhorita abismada. Andou de volta ao inicio desabitado e foi parar no porão, que nunca antes existira, daquele apartamento um tanto velho desconhecido.

domingo, 24 de agosto de 2008

Paradoxo da separação ou a reza pro santo casamenteiro


Eu queria casar com você.

Daqui a um tempo, passada a necessidade minha de solidão, passado o medo de saber a falta de saber como agir. Passado o tempo do crescimento e chegado o dia de ter atravessado a cerca e alcançado a grama verde onde vou caminhar com um vesido florido e o cabelo comprido encaracolado no vento. Nesse dia quero tua mão na minha, quero casar com você.
Quero o vestido curto da minha barriga crescendo com nosso filho dentro de mim. Sua mão tão bonita pousada na minha barriga enquanto você lê um livro em voz alta para nós três. Eu vou estar mais sorridente do que nunca e, você vai dizer, mais linda ainda.
Quando a barriga crescer você vai compor sua música mais bonita pro nosso filho e, no meu peito grande se preparando para o boca faminta recem descoberta, você vai colocar seus lábios carnudos e nós vamos fazer amor maior do que nunca, descobrindo, com aquele novo volume do meu corpo, posições e encontros, cada dia diferentes, das nossas peles e nossos pesos.
No dia que ele nascer, seu olho vai brilhar mais do que nunca e seu sorriso, nesse dia, finalmente, será inteiro, tão pleno e certo da felicidade. E eu vou olhar pra vocês, um nos braços do outro [e vice-versa], meus maiores amores, e vou chorar sorrindo, também segura da maior alegria [e silenciosa].
Depois que ele nascer você vai aprender a cuidar de alguém como nunca, vai ficar tão seguro de [perder] ganhar horas e horas ao lado dele, deixando de fazer qualquer outra coisa só pra vê-lo dormir.
Eu você e nosso filho. Você vai finalmente entender a beleza do seu lugar no mundo, vai sorrir tão frouxo e abraçar tão apertado. Eu vou ficar também séria e calma, abraçar macio e, as vezes, cantar bem baixinho pra vocês dois dormirem.

Eu quero casar com você.

[Eu não quero dizer]
Adeus.









*imagem do filme "Le bonheur", Varda - um dos favoritos


*imagem homenagem à paulinha

quarta-feira, 16 de julho de 2008

de novo

estavam todos ali
ele, ela, ele e nós
olhávamos uns aos outros
ninguém sabia

ele em pé tão sério,
só soubemos depois,
remaria mar a fora
esfaquiaríamos lula a dentro
até chegar à pena
e usar a crase certa

do outro lado de lá
araçatiba tava dando
antes da tamburitaca
lulas já pulavam no cesto
e dormiam em paz
[bem ao lado das escovas de dente-rosa]

estavam todos ali
ele e ela, nós e eles
olhavam uns aos outros
barriga cheia
farofa dentro
e omar lá fora


noite de quentões e canções


dancaríamos nós juntinhos
rememorando um passado
que de quase remoto
foi parar na pontinha do presente
cambaleado de futuro


suamos o mesmo suor
o pé pisou no dele
a lula mexeu saltitante na barriga
e escada a cima,
o quentinho macio brilhou no leito


noite enubriada



fez ela sonhar e chorar novamente
ele viu.


segunda-feira, 14 de julho de 2008

monólogo



você sempre me disse e me avisou pra ficar longe, eu não tinha a menor chance. eu te disse que não queria chance, eu te contei que viver o presente apenas era tão bom... (fingi que sabia disso)

foi tão bom...

não, não foi nada bom, foi péssimo.

não, foi bom enquanto não durou nada

foi bom as vezes

muito menos do que muito

e eu, será que eu te dei chance? e eu, será que eu quis uma? você sempre sentiu culpa, eu senti sempre dor do abandono no parto. eu pedi muitas desculpas você não teve coragem, era admtir tudo

eu sempre tomo a parte pelo grande todo... você também.

o drama queen com a drama king

vamos tirar a roupa e nadar pelados?






...






....

terça-feira, 8 de julho de 2008

4 e trinta



Andando pela futura ex casa ela chora. Anda com seu pijama branco de bolinhas azuis e chora. e chora alto, com caretas e lágrimas, como uma criança que acorda no meio da noite na casa escura não sabendo a qual lado ir para encontrar o colo quentinho dos pais.

Mas para ela não há o colo quentinho. E não há ninguém mesmo. A casa vazia está menos escura do que ela gostaria e por isso apaga as luzes brancas da cozinha e do banheiro que dormem acordadas. Quem sabe assim ela também fecha os olhos e consegue achar o único lugar quente entre seus cobertores e dormir até amanhã.

Na cozinha, agora escura - mas nem tanto - iluminada pela cidade que nunca dorme, ela apela mais uma vez para o chazinho quentinho e reconfortante. Pega panela, coloca água, fogo ligado e o choro não para. Abre a geladeira, pega creamchesse, pão na torradeira e o choro alto continua.

As vezes, melhor, muitas vezes, dormir parece muito mais assustador do que o medo de se entregar ao sono traiçoeiro e às verdades que ele traz.

Mas também não aguenta mais escrever sobre sono, medo, choro - in-so-no-mia.

Mais uma torrada, choro agora contido a fungadas fortes e o olho no espelho do microondas - se lembra do seu filme com as amigas e sozinha ela espera chegar. Sabe-se lá o que.

E chega. 4:30 da manhã entra pela porta do fundo o irmão, o roommate da vida toda que está prestes a ser um ex vizinho de quarto e que chega de um trabalho cansado abrindo a geladeira e perguntando porque ela está ali a essa hora e escrevendo o que? um texto. que texto? tipo, aleatório? qualquer coisa? é, um texto, sei lá, um texto. ãh, boa noite, vou dormir. boa noite, durma bem.

Torrada acabou. Chá também. Lembra-se de uma amiga da amiga que lhe disse uma vez, numa festa há muito tempo atrás, lá pelo mesmo horário de 5 da manhã, que as vezes não conseguimos acordar porque ficamos muito tempo sem comer ao longo da noite e, fracos, fica difícil sair da cama. Será que então é difícil entrar na cama com a barriga vazia? A dela agora esta forrada.

Volta ao colo dos cobertores com seu pijama de bolinhas acreditando que depois de duas torradas seu estômago cansado vai cair no sono e, quem sabe, o resto do corpo acompanha?

Por via das dúvidas, encher um copo de agua, e levar junto o caderno e a caneta - ela pensa enquanto anda pelo corredor.

segunda-feira, 30 de junho de 2008

L- A -R




*colagem e bagunça: sabrina, aninha, mariana
[de nós para nova casa, e pro roommates; ]

*foto: mariana



olhar as paredes em volta
o cheiro forte da tinta nova
o brilho grande da casa minha

a porta beijo e sorrio
da escada olhamos pro alto
que lindo!

cada janela brilhante
os muros com sabor de futuro
os quadrados de cada espaço vazio
dão ASAS a imaginação

a lembrança do futuro que Vi-veremos
o suspiro da história que já começou
o medo do presente que era quase futuro
[e prestes a passado]

o sorriso novo
a primeira sensação que nunca se conheceu
mas que lhe parece tão tão familiar

sim, claro, fa-mi-li-ar

afinal, é SUA, SÓ Sua
TODA sua
e de todos os outros

dorme lindo lar
eu chego!



*

sexta-feira, 27 de junho de 2008

a criação de senhorita feliciana




pra aninha



E porque ela inventava de querer falar sobre ela mesma? Ela sabia que arte não era isso, diário, ah... assim é muito fácil, corre, voa, vai inventar uma história, menina! Mas nada disso, até suas unhas descascando vermelho pitanga lhe pareciam ser merecedoras de mais um punhado de palavras.

Todo bom escritor é antes, invariavelmente, um excelente leitor, eu sabia que era isso que ela pensava. Mas, mesmo assim, nas longas viagens de ônibus indo e vindo por aí ela não conseguia se concentrar em nada que não fossem seus próprios devaneios sobre aqueles milhares de estímulos pulsantes à sua volta.

Aliás, andar de ônibus sempre fora para ela a maior das aventuras, antes já tivesse sido inventado um "escritor de pensamentos", ela pensava, ah... seria escritora de best-sellers desde criancinha! Era fixada na mania de achar que as coisas que imaginava, que a maneira como reparava o olhar entediado do senhor no banco ao lado ao escutar seu celular tocar eram únicos e preciosos. E precisava escrever sobre aquilo!

Até o cheiro lhe parecia ser um grande tema de uma grande obra. Achava fascinante reparar que o cheiro característico do rapaz sentado ao seu lado lhe poderia fazer apaixonar-se, ou então, ficava encantada ao contar como deixara de amar pessoas qaundo seus cheiros se tornaram enjoativos.

Na noite passada ela despertou no semi-sonho, dormia e acordava, indo daquele estagio dormente para a lucidez translúcida do rolar na cama. E nessa hora, eu vi de longe, ao invés de se chatear com o sono interrompido, como seria esperado, ela sorriu. Na noite passada ela descobriu que o silêncio do quarto escuro na madrugada, enquanto estava ainda com resquícios de lucidez e os olhos entre-abertos, era mais, muito mais, silencioso do que o silêncio do espaço delirante em que mergulhava quando começava a dormir. No mundo dos sonhos o silêncio é cheio, denso, repleto de sons!

Ela sorriu mais ainda e pensou nessa hora, segundos antes de dormir, isso vai dar uma boa história!

Tentei de novo, dessa vez dentro do seu sonho, dizer para ela, vai inventar uma história, menina! Era tarde demais, ela já estava sonhando...

segunda-feira, 16 de junho de 2008

pra Nara

É madrugada. O sono foi substituído pela dor
que cobre todo o peito e a barriga.
Acorda num susto com o choro que
vai jorrando goela a fora.

Cadê o humor?! Foi rir de outro.

Lamento brega, mágoa autocomiserável,
e até Raiva, tomam conta de tudo.
A chuva ensurdesse a Nara que canta baixinho na TV.





Tudo vira barulho, daqueles que dão dor de cabeça
e vontade quebrar alguma(s) coisinha(s) em volta.

"A chuva precisa parar para escutar a cabeça."

O ruído fica muito alto e tudo fica cego e mudo,
sem ter como ver o grito, ouvir o silêncio e:
Aaaaaaaaahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh!


shhhhhhhhhhhh, silêncio.

Tem alguém que dorme na cabeça ao lado.

sábado, 7 de junho de 2008

aquele homem




Já é hora de escrever sobre ele. ele andava mas parecia que flutuava. ele era tão bonito, ainda deve ser, só que já não sei. falava com quê de quem não fala, porque suspira e ao mesmo tempo, acho que lá no fundo, ele chora, mas ri também. e quando ele ri, ou melhor, quando ele ria, era diferente, era estranho, era meio nervoso e meio moleque, mas eu acho que ria o mundo todo junto. pelo menos ria meu corpo todinho ao mesmo tempo. não era sempre e, melhor, não é pra qualquer um. só os merecedores é que tem o ar de sua graça risada. e isso que o fazia mais belo e tão difiícil de esquecer. ele era sóbrio e quando era bêbado era tão flutuante, mas mesmo assim, sóbrio de mim. era tudo o que eu queria ser e nunca seria, era tudo o que eu sempre quereria ao meu lado até o resto de nossas vidas. era o oposto de mim, mas ao mesmo tempo, era tão eu e meu, mas nunca foi meu de verdade, e por isso, nunca o perdi. nunca o tive e nunca vou deixar de ser sua. o choro no fundo, eu sempre quis abraçar, mas era tão arredio que meu abraço nunca foi suficiente. e seu abraço, também nunca esteve tão presente. olhava o céu e as coisas parecido como eu olhava e me ensinou ainda tantos outras palavras bonitas pra ver. e eu também, eu queria pensar assim, acho que minha risada, tão alta e escandalosa, e meu sorriso tão largo na cara, apesar de muitas vezes embaraçosos, acho que eles também disseram alguma coisa nova. alguma coisa bela, eu creio, ou finjo acreditar. aquele homem já não está mais aqui, foi embora, ou nunca esteve. mas deixou em mim, um pedaço enterrado no corpo, daqueles que nem com cirurgia vai sair. tenho medo de ser grande demais essa farpa, esse pedaço entalado. mas vai, isso eu não tenho duvida, fazer parte de mim até que eu já não perceba a diferença e até que já não se faça sentir tão forte. e vai ser bonito, uma nova parte de mim, delicada e tão diferente... quem sabe não incorpora até a genética e passa assim para as novas gerações, em nome dos filhos que nunca tivemos. aquele homem em mim e em nós. que foi flutuando e ficou entalado. não arranco e não suplico. choramos quieto o choro merecido e sorrimos sóbrios o que sobrou de nossa graça.

sexta-feira, 6 de junho de 2008

sodade meu bem, sodade




Acabara de escorrer o café fresco e foi lavar o filtro deixando pingar o restinho na pia. Ela olhava aquele líquido marrom se espalhando pelo mármore branco, se misturando com a água que caia lenta da torneira, e não conseguia parar de achar, mesmo sabendo da verdade, que era sangue que escorria ali. Estamos a salvos, todos os seres, pois a saudade, e isso parece sabedoria divina, nunca nos traz a intensidade real da presença diante do objeto amado e distante. caso contrário, a saudade, certamente, estaria fadada a ser nada menos do que a pior das doenças, a mais fatal. Largou o filtro de café num susto terminado esse pensamento, respirou fundo e voltou à sua sala onde escreveria emails e projetos o dia todo e se esqueceria de sua saudade que ia continuar sangrando sem que ela se desse conta.

domingo, 25 de maio de 2008

imanência



na semana anterior tinha escrito sobre o machucadinho no calcanhar que havia sarado, mas mesmo assim não ficava curada. deixou então o corpo ganhar seu sentido e, de propósito, sentiu-se oca de pensamentos. graças a deus. antes disso delirou pesadelos, acordou da realidade e chorou eternamente. anestesia prolonga o fim da ferida, e deixou entorpecentes de lado. conseguiu então manter-se levitando nos sentidos e tudo o que era dentro ficava leve. enfrentara as horas de abstinência e mergulhou num caldo denso onde o corpo nem afunda nem transborda, plaina no meio termo de tudo. agora, finalmente com o corpo oco, ganhou movimento e foi lentamente flutuando no líquido então mais leve e transparente, até chegar a superfície onde vai boiar e sonhar até a manhã seguinte.




para clarinha