terça-feira, 8 de dezembro de 2009

o mar e o sertão

tem mais presença em mim tudo aquilo que não sou eu...? ou tudo o que sou eu é a falta do que não está? Levanta da cama para a direita com o pé esquerdo. Luz, luz, e tudo não fica claro. A garrafa de água esvazia goela seca abaixo, o estômago continua oco e deseja mais. O desejo de mais é furioso. Ela tem medo. Tem medo dela mesma. Tem medo do seu medo. As costas doem, é o buraco do que não há. Tapa, tapa, rápido… e agora, como faz? Não tem mais cartas, não tem mais as palavras, não tem mais o telefone… e agora? Tapa tapa, rápido… e ela rasteja. Água acabou, luz não ligou. Engatinhando lágrimas: a pilha de livros. Mão rápida rasteja, tapa, tapa, um! Ela encontra, o primeiro, o primeiro livro. A mão rápida folheia e os olhos embaçados encontram. As costas ainda não sosegam. "Meu amor, escrevo no fim do livro porque vou te amar até o fim da vida…”. Respira, engole e vai até o fim. Acabou. Mais um, rápido, tapa tapa. Não há mais telefones, não existem palavras. É tudo solidão e tudo o que ela é agora é aquilo que não há. Tem um pequeno ali, magrinho, é ele, é mais antigo, vai: “Impossível não te amar”. Mais, mais mais, “Você me deixa muito mais feliz do que qualquer comida”. Água molha o chão, parece que vai inundar, ela pensa que assim fica tudo preenchido, será que assim o buraco some? Tapa, tapa, mais. “Olhe seu mar que ele é doce lindo que só”. Seu mar… ela parou. Em volta, ali já estava ele, e era salgado agora. Tentou lembrar se já foi doce. E esqueceu que gosto é esse. Teve medo de comer chocolate e descobrir o gosto das águas nunca dantes navegadas. Lembrou que a velocidade é só o tempo da sua respiração. Parou e flutuou no mar que, pelo menos, ainda não era o sertão.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

o verão é tomar banho de água fria todo dia.
a vida é lembrar de ligar a vitrola a cada minuto.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

tenho a dureza do mundo em mim. dormir querendo acordar e acordar querendo dormir...

sábado, 29 de agosto de 2009

Acordou correndo com a cara afundada na privada. As palavras escorregavam pela língua fazendo splash lá em baixo. Ufa, pensou em forma de imagem. Teve certeza de que gastara todas as palvras agora. Apertou a descarga mais feliz do que nunca e saiu andando, muda, pelas árvores do vizinho.

quinta-feira, 21 de maio de 2009



aquela voz que era veneno, dos mais fortes,
vinha embrulhada em frasquinho de perfume, dos mais belos.
em frente ao espelho, arrancou de uma vez só as duas orelhas.
saiu andando, o sangue ainda pingando.
sorria leve e cega pela rua colorida de uma tarde de outono.

quinta-feira, 19 de março de 2009




E pequenos pedaços coloridos de papel caíam do céu. Dançando entre a luz e a contraluz a faziam abrir e fechar os olhos rapidamente, se assustando com o brilho do sol mas nunca desistindo da incessante busca por todo aquele colorido.

São Pedro está conosco! Pensou, as vezes manda chuva, as vezes os confetes!

Seu rosto dourado pelo sol de toda aquela manhã brilhava também como ouro do plástico da coroa que vestia. Além de tanta purpurina, não desistia nunca de mante-lo inclinado aos céus em busca dos confetes voadores.

A musica, antes tão rápida e animada, ao meio dia parecia ralentar. Toda a cerveja das latinhas que passaram por suas luvas brancas, uma atrás da outra durante toda a manhã, a tornaram lenta. E muito sorridente. Sempre.

Os anjos, os diabos, reis e rainhas, as odaliscas, melindrosas, os malandros e heróis, todos eles, quase em uníssono, pulavam, cantavam e sorriam. E alguns também, beijavam.

Enquanto isso, ela ainda olhava para o céu distraída. Avistava, bem pequeno, o pedacinho de papel que agora encontrara o beija-flor que parecia ter vindo participar também da festa. E como se esbaldou.

E dez anos se passaram.

Feliciana dormiu?

Lá estava ela. E o olho ainda brilhava. E no meio do bloco, vestida de rainha, olhava tudo atentamente.

Sob a luva preta ainda a latinha. Na mão esquerda, mais um saco de confete. E a multidão, ainda em uníssono, desaguava no largo antigo onde a folia, mais horas menos horas, teria certamente seu fim.

Ainda beijavam, pulavam e cantavam. Alguns também sorriam.

E são Pedro mandou chuva.

Feliciana ainda inclinava o rosto para cima sorrindo e dessa vez brilhava molhada e borrava de preto.

Tirou a peruca vermelho-cereja, tirou dois reais do bolso molhado, comprou na esquina sua última latinha e caminhou devagar sob a chuva.

Era quarta-feira de cinzas e Feliciana pensava: acabou meu carnaval.

domingo, 8 de março de 2009

Chá da meia noite




As palavras lhe haviam desaparecido fazia algum tempo. Coisa assim de umas semanas, o tempo exato em que obrigara-se a encher só de imagens e conseguir sentir, em todo os poros, o tema daquele seu próximo filme.

Lá pelo chá da meia noite, aquele que acaba tendo que ser café tamanho é o volume de trabalho, pensou na torradinha. E fez com manteiga.

Tudo quente e o verão lá fora mais ainda. Decidiu ligar o ar e achou mesmo que a idéia ia ventilar.

Nada nada. As palavras a dominavam tanto tanto nos últimos tempos, que tendo que conseguir pensar imagens, fugiu como um corredor em dia de maratona delas e agora, as palavras haviam mesmo desaparecido. Cada letra, cada som, nada mais parecia lhe fazer sentido.

Estava cansada das imagens. E passava seus meses assim, cansava aqui corria pra lá, cansava lá corria de volta e nada nunca parecia se completar. E só assim conseguia adormecer, mesmo que já de dia, e só assim seguia, mesmo que sonâmbula, no próxima dia.

Sabia sempre que no dia seguinte faria algo novo: teria ódio das imagens bobas que criava para se distrair, ou pior ainda, para distrair, nem que por um segundo inútil, cabeças alheias, cabeças flutuantes e desejadas como aquelas que ela bem conhecia...

E então, no outro dia, além de acordar lembrando que um dia morreria e ter vontade de chorar lembrando mais ainda do que perdera, tb arranjava algum minuto, entre o banho e o computador, para pensar que hoje poderia escrever alguma coisa e aí, o sofrimento era só amanhã.

E foi isso que mudou tudo. Ultimamente resolveu esquecer palavras e tentar ver, rever e imaginar imagens... precisava fazer o seu filme. E fez. Mas continuou acordando lembrando da morte, dormindo chorando por ele e agora não podia mais sentar diante da tela branca (ou azul) e escrever.

Navegou sozinha, nesse dia, por muitas ruas, coitadinha. E Feliciana resolveu parar de dormir. Expressionou-se. E sentadinha ao lado do seu chá da meia noite, um café bem amargo lhe desce garganta abaixo e ela ainda chora.

domingo, 1 de fevereiro de 2009

as coisas




que grande são as coisas na rua quando as olhamos de perto. Um passeio pesquisa de campo. Que campo? O campo vivo dos objetos cobertos de idéias. Como são inteligentes esses objetos. Sempre parados (nem sempre), carregados de tantas idéias, não transbordam nunca. Escolhem, sábios, guardar tudinho só pra eles. Shhhhhh. eles estão pensando.



...

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009



e eu fico querendo saber de ti, não te acho, nem tanto procuro, não quero o encontro, mas fico querendo saber de ti

quero e não desejo tapar os olhos sempre com a fita de filó rendada e transparente, coberta de furos, por onde meus olhos, inquietos, deliram ao menor sinal de você

creio que não sinto mais, acordei desse ano forte e só, inteira muralha de onde não posso (não devo) cair. pedra a pedra, acho que posso tudo, e sinto nada

segue e corre, mão desgarrada no passeio turvo dessa fortaleza, que como todas, é pedra por fora e vazio lá dentro

aí, cada passo quando acordo nesse novo ano é migalha a migalha plantando a estrada no rastro de casa

e levanto [nunca em plumas], caminho, ainda menos torto, pensando que acho que não quero, apenas, saber de ti

[mas os olhos não dormem]