domingo, 31 de agosto de 2008



Quando feliciana chegou em casa naquela noite nada mais parecia o mesmo. E nada mesmo era o que antes havia sido. Nem noite era. Madrugada sem hora de precisão, cor furta no céu e desfocado na cama, apesar de ser novinha em espuma, pelo menos era confortável. Colchão virgem, pronto a amaciar-se ao primeiro que lhe tocasse, nem o leito já era o mesmo. Tudo estava outro.

O copo agora listrado comportava apenas água transparente. As habituais fumaças cinzas passaram a fazer no ar funis e olhos de tornados que tinham um nome próprio de ser mas agora ela havia esquecido.

Feliciana olhava tudo em semitom, semicilio, semiretícula toda aberta. Mas o todo agora era outro e se fechava por inteiro.

Feliciana andou pra um lado e outro e deu na varanda, tocando as árvores do outro lado da rua de concreto reparou no que havia em cima e quando foi se dar conta, Feliciana estava mesmo de fato avistando outro lado, o lado de dentro. Da pontinha da cabeça até a raiz do pescoço tudo aquilo ela via. Era mesmo um globo o tal ocular, e girou e girou parando como a sorte de bingo no lado avesso da roleta.

Nunca tinha se deparado com aquilo antes, pensou calmamente e intrigada a senhorita abismada. Andou de volta ao inicio desabitado e foi parar no porão, que nunca antes existira, daquele apartamento um tanto velho desconhecido.

domingo, 24 de agosto de 2008

Paradoxo da separação ou a reza pro santo casamenteiro


Eu queria casar com você.

Daqui a um tempo, passada a necessidade minha de solidão, passado o medo de saber a falta de saber como agir. Passado o tempo do crescimento e chegado o dia de ter atravessado a cerca e alcançado a grama verde onde vou caminhar com um vesido florido e o cabelo comprido encaracolado no vento. Nesse dia quero tua mão na minha, quero casar com você.
Quero o vestido curto da minha barriga crescendo com nosso filho dentro de mim. Sua mão tão bonita pousada na minha barriga enquanto você lê um livro em voz alta para nós três. Eu vou estar mais sorridente do que nunca e, você vai dizer, mais linda ainda.
Quando a barriga crescer você vai compor sua música mais bonita pro nosso filho e, no meu peito grande se preparando para o boca faminta recem descoberta, você vai colocar seus lábios carnudos e nós vamos fazer amor maior do que nunca, descobrindo, com aquele novo volume do meu corpo, posições e encontros, cada dia diferentes, das nossas peles e nossos pesos.
No dia que ele nascer, seu olho vai brilhar mais do que nunca e seu sorriso, nesse dia, finalmente, será inteiro, tão pleno e certo da felicidade. E eu vou olhar pra vocês, um nos braços do outro [e vice-versa], meus maiores amores, e vou chorar sorrindo, também segura da maior alegria [e silenciosa].
Depois que ele nascer você vai aprender a cuidar de alguém como nunca, vai ficar tão seguro de [perder] ganhar horas e horas ao lado dele, deixando de fazer qualquer outra coisa só pra vê-lo dormir.
Eu você e nosso filho. Você vai finalmente entender a beleza do seu lugar no mundo, vai sorrir tão frouxo e abraçar tão apertado. Eu vou ficar também séria e calma, abraçar macio e, as vezes, cantar bem baixinho pra vocês dois dormirem.

Eu quero casar com você.

[Eu não quero dizer]
Adeus.









*imagem do filme "Le bonheur", Varda - um dos favoritos


*imagem homenagem à paulinha